domingo, 30 de dezembro de 2012
Aquele Vento Aguilhoante
Há um deserto que se fecha sobre mim
Sem drama, sem grito, sem motivo,
E todos os dias são domingo, todos os dias
São domingo.
As tuas mãos fantasma mostram as ruas
Brancas de um Junho paralítico, de cal
E de noite luarenta:
As raparigas morenas atravessam-na
Estralejam risos, em bandos,
Pelas coxas, a saia a sair do joelho,
A afiar as orelhas nas discotecas
Consumidas nos biocos à meia porta.
Eram os tristes e os pobres, sem
Amanhã, mas a folgar como cigarras
Eu, porém, cada vez mais branco
De cal e de noite luarenta,
Branco de Junho, das ruas longas
Dos almocreves e dos barbeiros.
Choviam plumas de sangue
E dentes de fogo,
E haviam leões à solta
No jardim dos tuberculosos
Tão acesos de cores e de gritos
Perdidos em colecções de amorios
Até ao fastio, entre seios de meninas
Radiofónicas,
Mas agora só jorrava lá fora
Um vento desencontrado
Dos sementeiros do céu
E do luar envenenado
E haviam fantasmas à solta
No jardim da vigília
Estava fria a cama e a botija
Eu branco de ti a aturar-me
Cigarro na mão, estiraçada na cama
De sexo rico e onde eu nunca
Penetrara, de ancas arqueadas
E lareira funda, de pedra à vista
Não alisada, carcomida numa imagem
Mais simplória, a esvoaçar entre cortinas
Com desenhos gordos de anjinhos
A puxarem também lume a um cigarro
Entre crochet, e eu sorria
A fazer-me de interessante,
Com a luz do sorriso a esfarelar-se
Na boca, dissolvido em confusa
Humilhação, a cabeça fina e frágil
A pender de nojo para os tijolos
Lavados.
André Consciência
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