quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Esperança
Hans Ruedi Giger
Marinheiros subindo aos mastros
A noite afundando-se por completo
Sentada no catre enquanto o barco
Começava.
Não resistiria, deliciosas
Covinhas e inteligência viva.
À noite, com os dedos o rosto
Com a Lua a encobrir o céu.
A vegetação nocturna estava fora
De nós uma enseada estreita
Para passar.
Os marinheiros levavam a esperança
O ferro clareava
A gente rezava por ventos favoráveis.
Uma coisa secreta, privada, especial
As noites que passara com ele no han
Pertenciam a uma fracção diferente.
No chão, às escuras, na cama.
Uma escuridão através da qual
Senti os movimentos do barco
E as vozes. Completa-me.
Babalith
sábado, 26 de novembro de 2011
Maçãs
Uma figura pousada
Nos ombros de outra
Sem calças, muito
Indecoroso.
E tentava agarrar
Qualquer coisa
Maçãs.
O homem em cujas costas
Ela estendia o rosto
Também estava equilibrado
Em cima de uma boca.
E havia mais qualquer coisa...
Folhas em ramos a esticar-se à luz
Mas com cuidado.
A cortina tapava a paisagem
Prendi a respiração
Fechei os olhos com força e
Penetrei.
Horned Wolf
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Deus ex Machina
No pulsar do despertar
Um cidadão confessa-se
E aventura-se no vazio
Os sinais do futuro
A arder
Recordam
O retorno.
Re-l124c41+
Facho de luz
Faíscas de radiância
Existência
Na treva branca
Quando sorris
Caminho errado para casa
A Ofélia
Calma que morreu calma
Terra incógnita
Vida após Deus
A rapariga, com o sorriso.
O olho sagrado do vazio
No lugar do fim do tempo
Deus ex machina.
Horned Wolf
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Underneath the Stars
São mais raras as estrelas, do que os barcos no oceano nocturno
Da respiração intermitente do teu vulto enquanto forma sonhada
E desmaiada em todos os pólos da minha maldade
Ah os lábios dos teus lábios chegam
Embora nos não beijemos às vezes
Aos meus lábios chegarem a chegar
Ao porto seguro da tua alma inavegável.
E na luz do seu silêncio me guiava
E engolido pelo seu ventre menstrual, que inchava
O oceano negro do seu coração cantando
Amarrava o céu e o inferno, meus.
Eu sou minuto vivo na coreografia
Do seu mamilo em bico
Uma dança ao Sol
Um tiro na humidade celeste
Uma sombra aquecida
Na noite dos amantes.
Um raio de Sol que entra
Nos poros do seu umbigo
Um grão de para-sempre
Incrustado nos mares
A paz para além da personalidade
A paixão para lá da dor.
Deixa-me levares-me os braços
O crisma, a roda, a medicina!
Besunta o amor sem lágrimas
E dissipa a solidez solitária.
Determino-me nas estrelas
Tão pequeno quanto é pequeno
Ser a vê-las.
Enorme quanto é grande
Amanhecê-las.
Horned Wolf
terça-feira, 15 de novembro de 2011
O Lago das Almas, O Carrocel dos Corpos
The Spheres - John Santerineross
Quando Gabriel sopra o chifre
E os lobisomens da rua
E a mulher nas mulheres
Se move nua
Quando a terra estremece
E os corpos do avesso
Repetem os seus hinos
Quando sou chamado
Para o meu lugar amado
E a pequenez do peso
Que deixou de ser voo
Digo-te "caminho
Pelo vale aéreo da luz
Anos sem fim
E no mar das almas
Não há terror ou selva
Que nos tapem
Olha para mim
Não te esqueças que voei
Ou penses, que esse voo
Teve fim
Por mais que derrubado
Os cães me comam
Quando o chifre soa
Eu não posso levantar
Se não para outro corpo
E só os ouvidos são ainda
Semelhantes ao que eu todo
Fui
As cidades em sal
Se um de nós dança
E ousa
Perdoem-me as águas
Por serem desmedidas
A vaga por aparentar limite
Sem o haver
Ou o fogo por romper
Todos os corpos
Que nos foram dados
Que a terra não se esqueça
De ser o primeiro retrato
De um romance
Da saudade
Sem alcance
E me perdoe o ar
Como antes
Eu não poder voar"
André Consciência
domingo, 13 de novembro de 2011
La Gitana
O teu cabelo em rosas na geada enquanto dançávamos,
A feiticeira a enfeitiçar e o paladino em luar,
À luz das estrelas teciamo-nos numa teia de seda e aço
Sem memória como o mármore nas câmaras de Boabdil,
No jardim secreto das rosas com as fontes e os orvalhos
Onde a nevada serra nos suavizou com as brisas e os galhos!
À luz das estrelas enquanto tremíamos do riso à carícia
E o deus veio quente sobre nós na nossa pagã delícia.
Era o Baille de la Bona demasiado sedutor? Sentiste
Pelo silêncio e pela doçura toda a tensão que assentiste?
Pois o teu cabelo em rosas e a minha carne em espinhos,
E a meia noite desceu em nós como mil loucas auroras.
Ah! minha cigana, minha Gitana, minha Saliya! estavas desejosa
Que a dança se tornasse solene? - Ó solarenga terra de Espanha!
Minha Gitana, minha Saliya! Mais deliciosa que uma pomba!
Com teu cabelo incendiado por rosas e teus lábios acesos por amor!
Deverei ver-te? E beijar-te uma vez mais? Eu divago para longe
Da terra solarenga de verão para a gelada estrela polar
Hei-de encontrar-te, hei-de encontrar-te! Eu estou a retornar
Da obscenidade e da neblina para te procurar na solarenga terra de Espanha.
Hei-de encontrar-te, minha Gitana, minha Saliya! como antigamente
Com teus cabelos incendiados de rosas e o teu corpo feliz com ardosas.
Eu hei-de encontrar-te, eu hei-de ter-te, no sul e no verão
Com a nossa paixão no teu corpo e o nosso amor na tua boca -
Com o nosso espanto e a nossa adoração seja o mundo incendiado e renovado!
Minha Gitana, minha Saliya! Eu retorno para ti!
Tradução de André Consciência
terça-feira, 8 de novembro de 2011
A Lusofonia
Os baloiços, onde estudávamos as estrelas
Com o balançar próprio do pêndulo
Nas rotas do fogo.
O cavalinho, onde te despia
Com chicote, e escapavas a galope
No mesmo lugar.
A almofada com que sufocava
As escaladas do teu êxtase.
E os escorregas onde rimos
A noite desprovida de olhos.
As pátrias antes de o serem:
Com medo criador, derrotadas.
Os mortos
Enquanto extra-pátria.
O cavalinho, que língua era a do corpo
Prévio à penetração?
Os navios, e o que é o português
Se não um sistema de controlo
Da psicologia humana?
Almeida Garret e Castelo Branco
A arrancarem estimuladamente as unhas.
As folhas caídas da civilização
Os workshops, os ecosistemas,
África, com trovadores do Porto,
Uma colecção de cromos
De René Guenon.
Que se foda, vou a galope
Que as àguas duram pouco
E os bicharocos lambem-nos as patas
No mesmo instante que lhes damos uso.
As galinhas em trânsito onírico
As hormonas a exalarem flores
Recintos e repórteres.
Vendo, na berma da estrada
Garrafas de nada.
Horned Wolf
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Carruagem do Sol
O Douro doura
Despenhado
No mar das montras.
Ela saia da loja
Transportada pela carruagem
Do Sol.
O movimento da emoção volteava
Em som de cascalho.
Fomos peixes fora de água
A ver A Morta, de Rembrandt.
Foste Leviatã exterior ao aquário
Sobre o meu corpo emocional
A chuva rebrilhava por ti
E a lunaridade do alvão.
Houve uma altura em que não acreditava
Existir. Nessa altura, conseguia ver bandeiras,
E não conseguia aquários ou fora deles.
De súbito encontro-te
Na uva azul e nervurada.
Vou alcançar-te, vamos... exercitar-nos
Nos pastos. Somos bonitos, hoje.
Horned Wolf
Lisboa
Belém sombreia o Tejo.
As esplanadas a deslizarem
Para o despenhadeiro das margens.
Minha mão a calcar os Jerónimos,
A planar a fria cidadela de onde
Um urbano castanho se esguincha.
Ouve-se a chuva nos telhados
Romanescos.
É desconfortável um mundo
Em que haja céu visível
Sem telhado inteiro, ou outro
Embaciado.
Lisboa é um tecto para baixo
Uma beleza que fez nascer
Calçada, fumo, portos
E o terror do firmamento
Confortavelmente tapado.
Este conceito do belo decresce
Conforme diminui o outro conceito
O do terror. São cercos a Lisboa.
A estética a bater a punheta
Com as mãos de um general inagarrável
Pelos séculos.
A Graça desce na cidadania do vento,
De embate às molas da insónia
E à sofreguidão messiânica do futuro.
Um rio terroso vai avançando
E subindo o cimento. Abrindo-o,
A Travessa de S. Vicente,
Um andar soterrado
E sem felinos, acaba.
II
Cidade de luz, à noite.
Cidade de noite, à luz.
Os inspectores-de-fora viajam
Para o lodaçal Lisboeta
Reportando um velório criminal
De que nada é
Excepto na medida
Da sua intrínseca
Inexistência.
Os bairros encavalitados
Com as pedras da loucura
E Bosch num trono de poeira
Luminosa, a olhar sobre a cidadela
Corvo.
No piso inferior, Jerónimo
De Sousa, deixa-se sodomizar
Pelas investidas sensatas
De Artaud.
Os trabalhadores faltam
Bebem chá verde
Por dentro de garrafas.
Montículos de fogo
Na tua boca
E que a cidade não se pronuncie.
Horned Wolf
sábado, 5 de novembro de 2011
Café e Lenha
Estado Líquido - Babalith
As margens fecharam a luz
E um lago dançou a meio de mim.
Os cafés pairavam, debaixo da água.
Em conversa, tu, com o cântico das sereias, eu
Como faróis negros ao longe.
O escuro entrava nos relógios que boiavam
Em nosso redor, apagando-os para o outro lado
Do Universo, e ela ria-se, sem que a sua
Cadeira, perturbasse o lago.
Eu leio o que te ouvi dizer, e escrevo.
Tu também estás na margem:
Os ângulos todos. Jactos de luz rápida
Que nos iluminavam por dentro:
Nunca tinha visto o meu corpo por fora,
Ou melhor, o teu corpo por dentro.
Cidades inteiras giram à volta das árvores
Mas o lago quieto, o café quieto,
Fora do horizonte, a ver o horizonte
Por paisagem, como quem sabe amar
O tempo.
Horned Wolf
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Trémula II
Fuente de La Vida - Temple of Meus
O búlgaro atravessou o pátio
E subiu as escadas,
Ofegante.
Olhou para mim e inclinou
Ligeiramente, a cabeça.
Surpreendera-me a mim mesma.
Quando os venezianos começaram
A despir-se
O meu corpo pegajoso
Encontrava os nervos à flor
Da pele.
O homem, com a idade do meu pai,
Arrancara-me segredos.
Fizera-se acompanhar por seus dois
Sócios.
Um, cansado, bebia um copo
De chá. Agarrei a oportunidade,
Fui buscar o desejo ao inferior
Passei os lábios como qualquer outra
Rapariga recatada, fazendo algumas
Declarações introdutórias.
Refreei o júbilo e o aborrecimento
Despindo gentilmente os meus
Visitantes. Fiquei na galeria até eles
Aparecerem. Tirei o véu, passei os dedos
Pelos cabelos, e iniciei uma dança
Privada de triunfo. Um homem no pátio
Fitava-me sem expressão nas feições
Rapaces.
Acordei a meio de nus, tomando subitamente
Consciência do cansaço e da transpiração.
Entrancei devidamente os cabelos, ainda fazia noite,
Puxei o véu para a cabeça e retirei-me para o meu
Apartamento.
Horned Wolf
Horned Wolf
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