terça-feira, 25 de outubro de 2011

Trémula




Enquanto os homens estavam nos banhos ou ocupados
Adquiri o hábito de me passear nua com os ouvidos abertos.

Encontrava-se junto da porta com um pénis cor de rubi
Nas mãos enormes e revoltadas.

Diz-se que os pés dele eram como as raízes da volúpia
Mais profunda, e que milhares de cúpidos e faunos
Faziam ninho no seu cabelo.

Ao meio dia, fornecia-lhe pele em bruto. Gostava
De me apreciar segurando objectos de vidro, de qualidade.

Perguntei a mim própria se teriam filhos, ele
E a Tristeza, perguntei-me como seriam
Com suas pequenas fendas palpitantes.

O aparecimento de uma visitante bem proporcionada, elegante,
Subia os degraus ao fundo, os cabelos cobertos
Por um véu verde escuro, por baixo, o corpo nu
Apenas completado por chinelos dourados.

Estava despida como assistente, somente, e por um momento
Vi-me a querer um adereço para as extremidades inferiores.

A mulher elegante apareceu nos aposentos de Maria,
Um homem grande de cafetã e turbante, banqueteando-se
Nas suas costas. Encontrei-lhe o olhar
Sem querer.

Inclinou a cabeça. Não olhes. Embaraçada, voltei
A minha atenção para o musculado rubi.

Os venezianos estavam atrasados.


Horned Wolf

Your God That Daughter of Light


Cthulho Stele - Parjer Ryan


Descrevi o poeta como uma cidade
De mármore e profiro, jóia
Das jóias.

Os seus palácios e as suas mesquitas
Erguem-se do céu em direcção
Às águas.

Descrevi no poeta
O caldeirão das culturas.

Torres e minaretes de floresta
Paredes altas e jardins verdes
O Sol a brilhar por entre a água
E o casco a passar pelas pesadas nuvens.

Descrevi o poema como dança nocturna
Extática,
Em que os homens se mutilam para se parecerem
Mais
Com as mulheres.

Entre o poeta e o poema
Um personagem impressionante
Com um turbante de neve na cabeça
E uma túnica de seda púrpura
Até aos pés:

O personagem tremulava
Agitado pelo capricho das brisas.
Em redor, nada se movia:

A silhueta de uma mulher vestida
De negro.

Em redor, pilhas de frutos estranhos,
Um chapéu alto, um monte de pães redondos
E achatados, um burro, um par de sacos
De pele, água, moviam-se.


Horned Wolf

domingo, 16 de outubro de 2011

Multidão Memória


The Loss of Alsace Lorraine - Emmanuel Benner



Saíram, vestidos de mimos,
Os sonhos que eu perdi, todos,
A ver um espectáculo de luzes.

No céu sem ninguém habitam granadas
Como um silêncio de revoluções subterrâneas.
O meu peito jorra todo em neve que derrete:
Eu tenho memórias nos dedos,
Canções sem letra, choros leves
No peso amplo da noite.

Os seus cabelos lambem
A sua pele rosada
E eu fico a ouvir os poemas da torneira
A pingar lágrimas
Quando a chama se eleva
Aos patamares do inalcançável:
Haver tudo passado
E o cinzento ser pele de manhã.

A multidão na rua caminha devagar
Embora esteja a chover torrencialmente
Procurei o contorno da tua nuca
A tua respiração
Mas tudo o que passou não tinha
Nome
Excepto eu, com os meus dedos
Irrequietos.


Horned Wolf

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Entrámos




A Lua levantou-se e a sua luz fria,
Nós estávamos sentados, a olhar o vazio.
De repente, o rosto escorregava-me
Lágrimas abaixo.

Os cabelos escuros dela a meu lado
Estenderam borboletas brancas.

As pedras pareciam engolir-nos aos dois.
Ficámos um pouco de tempo na floresta iluminada
Imóveis pelo peso do que acabara de acontecer.


Horned Wolf

terça-feira, 11 de outubro de 2011

...



Naquela noite
A Lua Cheia mal chegava
Para alimentar um pássaro.

O velho dissera uma palavra
Desde o crepúsculo, as suas faces
Estavam encovadas e o seu rosto
Demasiado grande para os olhos.
Cada parcela do seu corpo concentrada
Em trazê-la de volta.

Depois do quarto minguante
Retirava-se gradualmente
Para um mundo sombrio.

O lume da verdade transformava
Os monstros em rapazinhos
Excepto ele, com os seus dedos
Irrequietos.

Havia muito entre nós:
Muito amor, muita dor,
Muitos mal entendidos,
Pele esticada, pálpebras sombrias,
Quando os carneiros começaram a nascer.

Para lá da janela verde
A luz no nosso quarto era doce.

A rapariga escondia-se na cozinha, enchia o corpo de cinza
E tapava o rosto por debaixo de peles
Espalhando as pernas com um presente misterioso:
Gemia com voz de folha a sussurrar ao vento.

Um dragão embateu nos meus punhos
Levantei-me e fui buscar um copo de água.
O meu corpo parecia uma corda de piano.

O Sol pôs-se para lá das janelas coloridas
Quatro vezes, e no interior do nosso quarto.
No extremo do pomar havia um banco de pedra
Cheio de musgo.

A Primavera acabara de chegar e eu não sabia quanto tempo
Teria de esperar ao frio.
Os vidoeiros que cresciam em nosso redor envolviam-nos
Como uma capa prateada sussurrante.
Dentro de nós, o fumo erguia-se das chaminés.

As faúlhas da minha fogueira subiam em espiral
Como pequenas bailarinas.

O toque da sua mão aqueceu-me o corpo todo,
Senti uma felicidade deliciosa que me começava
No coração a expandir-se pelo corpo.

O velho não dissera uma palavra
Desde manhã, as suas faces
Estavam encovadas e o seu rosto
Demasiado grande para os olhos.
Cada parcela do seu corpo concentrada
Em morrer.


Horned Wolf

sábado, 8 de outubro de 2011

Na Manhã Seguinte




Afastou-se na direcção da floresta sem uma palavra
E as sombras engoliram-na.
Naquele momento soou uma trompa
No pequeno pavilhão.

Sentia o rosto a arder
A luz das lanternas dourava-lhe o cabelo
E no seu vestido leve ela estendia
Os braços brancos numa súplica
Os seus gritos rachavam o gelo
E espantavam os pássaros das árvores.

Uma risada percorreu a multidão
A clareira pareceu escurecer
Percorrida pelo sino da voz.

Vigio-te há muito, desde antes
Do tempo ser tempo.

Haverá mais cor no teu rosto
Como se uma longa geada
Começado a derreter.

Transportei-te até ao meu barco,
Onde núpcias.
Ninguém disse uma palavra.

Um pouco mais longe
A serpente branca estava enrolada
No ramo de um arbusto.

Disse-te palavras:
Amor, verdade, lealdade,
Confiança, sorriste
Reflectindo a luz da Lua
Nos teus dentes pontiagudos.

Ouviu-se um cacarejar de desdém,
Trocista, e depois o silêncio.

Transportei-a até ao meu barco,
Onde nos deitámos.
Ninguém disse uma palavra.

Um pouco mais longe
A serpente branca estava enrolada
No ramo de um arbusto.

A nossa última visita ao outro reino
Terminara.


Horned Wolf

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Pássaro Azul



O céu estava rosado. Ela queria escrever as linhas da eternidade num frágil bloco no carro, à beira do horizonte. O pôr do Sol nas árvores ou o mesmo astro a nascer perpendicular ao mar que se descobria no fundo do descampado que, com vegetação densa e molhada, apenas caminhávamos a custo. O reflexo das copas no rio, ou o pontão desfeito com as madeiras semi-mergulhadas. Uma família de férias, as suas silhuetas no crepúsculo, com os mais velhos a segurar luzidamente cachimbos finos. Mas eu sou nuvens e fumo, um cheiro que se deixou cair nas coisas sem se tornar algo. A substância efervescente do céu, que nenhum Deus veio abraçar. Musgo verde nas pedras do lago, a explosão de uma partícula de água numa superfície aquosa. O desabrochar de flores nas minhas lágrimas. A neblina na terra. O gelo macio da tua pele. . . . . . . . . São lúgubres as virtudes do homem, da mulher, o Homem é vil e o seu amor é mais devastador que o ódio dos anjos. Se existe um pássaro azul na hora mais escura, com as mãos em oração e as asas como frondosas velas ao vento, revele-se agora. Ilumine a minha alma peregrina com os sonhos dos primeiros leões, das crianças invioladas, das virgens em luta - de outra coisa mais antiga, um amor que não é o dos homens. . . . . . Nada no mundo está parado, excepto os deuses nos seus imóveis corpos de pedra, prova crassa do tédio que nos criou. Um dia tu também te lembrarás do pássaro que morreu na tua barriga, e chorarás a minha queda.

André Consciência

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Apocalipse Acto V

As diferenças são, invariavelmente, motivo de erradicação de um por parte do outro, quer por se ingeri-las quer por eliminá-las, nesse sentido tudo está em qualquer coisa e nada se move isoladamente. Da mesma forma se relaciona o nosso passado, aquilo que nos é antigo, e aquilo que nos é novo, assim, o antigo destina-se a tornar-se novo e o novo a tornar-se antigo e decrépito. O Homem percepciona esta realidade sem, todavia, existir no seu plano. Entre uma e outra coisa funciona um terceiro corpo, esse terceiro corpo é o homem tal como desceu primeiro ao mundo.

O individuo vive enquanto elemento das relações humanas, a sua vontade é, enquanto individuo, um somatório de querer completar ou destruir o outro, ou seja, de se fundir com ele. Os dois entes jamais se tocam, no entanto ambos consomem o terceiro corpo, que os aprisiona por via da crença mutua e já só se justifica com as suas próprias parasitas.

Apocalipse Acto IV

A Livre Vontade reside no acto de se adaptar e celebrar a adaptação, é precisamente o contrário da liberdade de escolha. Viver é o acto de imitação, mas para que o sinta de forma vibrante, o actor interno, terá de se convencer da exclusividade dos seus gestos, a sua vontade, por mais isolada que aparente ser, é a de colaborar e participar nas engrenagens da escravatura da consciência social, sem a qual a vida enquanto a conhecemos - como uma encenação - perderia os membros e os órgãos. Se o seu acto, durante a encenação colectiva, se mostrar suficientemente grandioso para o público, então finalmente poderá ser ceifado sem medo, esse é o objectivo do Homem: cessar.

Apocalipse Acto III

O facto inegável de não possuirmos qualquer tipo de forma é interrompido pelas maquinações da palavra, a existência da mesma criou um Deus que, sendo inferior a nós, sobre nós domina. A palavra não tem forma e, todavia, nomeia a arquitectura da forma. Depois de um homem conhecer a palavra, mesmo o esforço de a calar, se equivale ao esforço de tentar conter um caudal num recipiente frágil demais para o mesmo. Neste sentido se criaram os ossos (gigantes para a chispa que somos), antenas que escoam a alma e a reduzem ao pó, com o fim de eliminar o vírus da palavra. A consciência, entre a morte a que o seu corpo a força e a morte a que a sua alma a força, improvisa e procura crescer para além do tempo e do espaço agarrando-se com todo o ímpeto ao tempo e ao espaço. Este crescimento acelera a sua dissolução, a consciência, pois, procura a mágoa, de forma a paralisar-se e a olhar sobre si mesma, ou sobre outro, que é não só idêntico a olhar sobre si mesma, como uma e a mesma coisa. É necessário, todavia, que alguém acredite na sua vitimização, para tal fim o ente magoará o seu semelhante, procurando, além disso e desta forma, preservá-lo. Mas o homem que rir e o homem que, através dessa prática, troçar desta condição, será o homem que, à porta do inferno, guardará as chaves do paraíso.

O riso do Joker é inútil, e muito menos salva, por isso, ele contém todo o significado que o mundo pode conter, e o êxtase de existir.

A alma é uma criança, mas a palavra, que ainda está para vir e sempre o estará, é anciã e imposta sobre a alma.

Apocalipse Acto II

Para ganhar pele, há que lançar a alma ao fungo da humidade. A carne não existe, ela é a crença que a dissolução ostenta em si mesma sobre si mesma e que a impede de se dissolver. Qualquer lugar que os sentidos da alma, ou seja, o corpo, perceba, é uma prova da irrealidade. O lugar é irreal, mas a estadia da alma naquele lugar, tal como a percebe, é real. É-se perfeito apenas no que jamais se atinge, mas por isso em tudo se é perfeito e o mundo é uma totalidade em harmonia, jamais coisa alguma se atinge num todo, mas tal facto é o acto. A consciência é o factor que ilumina este factor, sem ela, a perfeição não seria imaginada. Na consciência, o pilar do céu estrelado da perfeição é a percepção da culpa de em nada se atingir a beleza total, a beleza total seria um sono eterno e o esquecimento de si mesma. Por isso, as mãos trabalham com arrogância na evolução: toda a evolução é uma falácia diabólica e brutal.

Apocalipse Acto I

Acordei e vi-me ao espelho. O espelho mostrou uma imagem de mim se o que eu fosse não fosse mais do que esquecer-me: porque esquecer é ter figura. As quatro mãos do meu cansaço, duas em mim e duas no espelho, conversavam em linguagem gestual sobre assassínios que curam, sempre com o sarcasmo da linguagem universal que é a mentira. Se um dia eu pudesse ter só um braço, só um olho, uma narina apenas, e a minha figura quebrasse os espelhos, a repetição seria nova e o novo um sentimento familiar.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Drowning



Uma a uma, as pessoas adormeceram. No exterior, a neve caia sobre os muitos telhados da memória, com a forma de silêncios longos. As cores estavam às escuras. Pegava numa chama pela raiz. Só se ouviam os relógios, partidos, à procura de funcionarem uma vez mais. Por favor... Disse. Estou aqui, André. Respondeu o palhaço do frio astro. Estremeci, imaginando até onde a sua fúria o levaria. Há muito tempo, vagueou pela neve até morrer, sem alcançar lado algum. Tem de ser, palhaço. Tu e eu. Murmurei. Percorri a casa em bicos de pés assim que a primeira luz do dia agarrou o chão. Com a luz, todos os adormecidos haviam agora perecido. Que os santos vão contigo, André. Disse o intruso, retirando a chama do meu braço.

A principio, nem sequer tentei descobrir onde era o covil do lobo ornado ou como chegar lá rapidamente. O meu objectivo era desaparecer. Assim, fiz o que pude para tornar a minha alma difícil de seguir. Muito dentro de mim, eu podia fechar os olhos e sair em qualquer outro lugar. Tens a certeza? Pareces estranho, triste. Não precisas de vir, sabes? Pedi. Eu sei, André. A superfície do lago mostrava-se gelada e a bruma pairava como uma mortalha cinzenta móvel. Os pássaros nus e falecidos, penduravam-se inanimados nos ramos dos azevinhos com bagas. A vegetação encontrava-se triste. Por cima das copas afastadas das árvores não havia céu, só o infinito. Gelaria tão depressa que não teria tempo de me afogar. É ela - O quê? - É ela! O palhaço enterrou a cabeça na palma da minha mão, tremendo violentamente. Tens medo de mim, André? Perguntei-lhe.


Horned Wolf

Multidão Memória - Performance Poética

Sábado, 15 de Outubro de 2011 - 21:00h

Poesia de André Consciência interpretada pelo autor, acompanhada pelas atmosferas sonoras de Alma Púrpura e a dança interpretativa de Soraya Moon. O acto será agraciado por uma exposição de algumas das gravuras de Borus Aura e contemplará o peso espectral da memória tanto como a cegueira da conduta.



"A jaula perto da fonte, na praça,
Alberga três gémeos cegos. Ao lado,
Um teatro de marionetas, desempenha
Uma peça sem sentido."

Valor da inscrição: 5,00€

Local: Sintra - Rua Tomé de Barros Queirós, nº 29b - Sintra

Inscrições no local, através do telefone 219 234 257 ou por e-mail:

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Cavalos. Visitantes. III




Uma gota de sangue carmesim em contraste com a pele
Branca,
Uma jovem viúva.

Os seus olhos estavam lavados e caiam-lhe, escuros
E lustrosos,
Pelos ombros.

Falámos do tempo, da música
Da sua casa, sobre
Uma nuvem de trovoada.

Um ser humano de meia-idade, vestido com o traje
Esfarrapado de um pastor, sacudia e contorcia o corpo
Rudemente:
O bonecreiro obrigava-o a mexer-se.

Umas gotas de éter num pano e depois...
Andar um pouco a cavalo, talvez.

Ela movia-se nos meus braços
Como uma ave elegante:
Os olhos escuros continuavam
A arder e a pele a derreter.

No seu pescoço estava o fio de prata
Da minha mãe.

A noite de lua nova
Encontrava a porta ligeiramente aberta.


Horned Wolf

sábado, 1 de outubro de 2011

Sombras de Pólen

Homenagem ao blogue The Scarlet Chamber




Na noite fluvial
O veneno percorrendo as veias
Em taças de cascavéis escoantes
Na embriaguez de pessoas

Vidraças nos olhares esgazeados
Sorvendo palavras de fumo
No êxtase líquido da secura tragada

Na fermentação de egos
Exaltando folículos fendidos
Formam-se crisálidas consistentes
Expirando larvas em pólen

E em cada sombra de rostos
De chamas pálidas e inexpressivas
Uma ave ergue o olhar aos céus


Tatiana Pereira