sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Hortus Deliciarum


Hölle - Herrad von Landsberg


Os pensamentos flutuam e pingam na distância, antes do mar.
No fim há uma chuva incomensurável de lágrimas de cristal.

Alguns, marcados, serão tochas em lugares escuros,
Os fantasmas farão ninho em seu redor, porque os seus corpos
São como céus acesos. Que a morte vos afaste.
Eu fui sacrificado e não morri.

Sem a luz, quem descobriria o inferno?


Horned Wolf

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Thou Art Continuous



Fritz Lang's Metropolis - The Whore of Babalon
Priest & Priestess Speech from Liber XV - Gnostic Mass


0. Não há por dentro e por fora.
1. A receptividade cessou e tornou-se toda ela em criatividade.
2. A razão chegou ao fim e tomou a sua forma original, poder.
3. Os corpos desapareceram e passaram a ser os seus actos.
4. Não existe o cepticismo, mas a embriaguez da loucura.
5. As essências criativas são da mulher.
6. O poder é da sombra da mulher: os deuses.
7. Os actos são do homem.
8. A loucura é uma segunda mulher, e resulta do poder com o acto.

9. Até ao seu pescoço o homem é uma serpente, e não está sozinha, mas envolve-se numa massa de serpentes.

10. A cabeça do homem é uma essência que frutifica o cosmo.

11. Como espectro inteiro (cabeça aos pés), o homem é a luz de uma estrela.

12. Quando o poder for todo dirigido à essência criativa, se abrirá a terra celeste, onde por detrás de cada professor se esconderá um destruidor de mundos.

13. A civilização na terra celeste é o caos erótico dos corpos do avesso.

14. Esta civilização será intemporal, inconcebível, sensível mas somente inteligível, os seus edifícios serão por isso de anti-matéria.

15. Algo parecido com o que hoje chamamos de consciência, vitorioso, emergirá entre a luz manifesta e a imanifesta para viajar o mundo, o mundo quebrará o seu veículo que se derramará sobre si mesmo e cairá no abismo sem fundo do amor. Nesta queda ininterrupta todas as coisas retornam a abrir a terra celeste.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Descrição de um Escorpião



Voy a perder la cabeza por tu amor - Enrique Bunbury


Gordo e preto
Tanto as suas pernas como os seus braços eram curtos chouriços
Como troncos, a gordura a desaparecer com a pele e com o osso.
Estava nu, expandido na cama
As mãos torcidas para fora e os pés a alastrarem-se,
O extremo das suas pernas era os tornozelos
Com os pés metidos para dentro.
Quando fechava pesadamente as pernas
O seu badalo encolhia-se a desaparecer.
Tinha a cabeça de frente, espetada no ar como um prego.
Tinha os olhos desanuviados, sem procura
Como se não se importassem de se terem afundado naquele corpo.
Abria os lábios, abria os ossos da cara, e puxava para dentro
A barba pelos poros.

Horned Wolf

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Chacal 418




0. O homem (e a mulher) nasceu dividido e unido por um abismo, do outro lado está o seu amante, a divindade. A travessia é a senda do artista.

1. Deus é o Amor, ele preside sobre a morte e sobre a ressurreição, apenas.
2. A manifestação de Deus, e portanto do Amor, é o Fogo Secreto, é o Sangue, como substância física e como simbolizante da Vida.
3. Para empreender na travessia o peregrino perceberá que o seu sangue, íntimo, é o exterior.
4. O sangue é vitalizado por (1) paradoxos, pelo (2) encontro da atracção com a repulsa, pela (3) fusão do amor com a guerra, pelo (4) encontro de erotismo com o instinto de sobrevivência. O coração é uma esfera, governa sobre o mundo da matéria e das ideias.
5. O sangue vive primeiro na pedra, como vida espiritual. (1)
6. O sangue é em segundo invocado na planta, como consciência, ou seja, como a vida sexual. (2)
7. O sangue é em terceiro invocado no Sol, como a vida animal, e é aqui mulher. (3)
8. O sangue é em quarto transmutado pelo Sol, e absorve o próprio Sol onde vivem os animais, a Lua onde vivem as plantas, e a Terra onde vivem as pedras: isto significa que em quarto o sangue é invocado no Caos, e o Fogo Secreto existe em relação com existir a Noite. Nesta esfera vive o homem enquanto meta do homem. (4)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Mulher Mão


Le Jockey Perdu - René Magritte


Mãos de mulher, sombra coagida,
Os minutos a desaparecerem com sufoco.
Esta saudade rasgada, minha voz
Ultrajada. Peito tremente,
Derramado até aos cotovelos
Na cevada.

Maldita manhã, escrever para nada,
Nem sequer um ritmo de janela
O tempo turva a saudade,
Peito fechado, peito escuro
E lambido.

A porta abre-se e fecha-se sem que nela passes,
Mede-se o silêncio e confirma-se a distância dos sons.
A bomba rega os campos amarelos, e ouvíamos cantigas
Pela rua de braço dado.

Ah, velha, nova memória que me comes as costas
Ao Inverno, ao inicio do serão, só fechar a porta no fim da noite.
Arregalo os olhos à passagem do vento, bato as pálpebras
Em todas as direcções, e ignoro.

Os ouvidos enfiavam-se nos gemidos,
Será que se lembra a pedra
Da forma do teu queixo
Desenhado no tampo da mesa
Pelo dedo do meu lembrar?

Ah leiam ou falem com a minha imagem
Sabendo que já não estou, mas que o sejam!
Sabem-me mal a porra dos cigarros
Que me ardem as mãos, o medo me não mete
Escuro, e tenho uma cama de ferro,
As oliveiras ainda têm estrelas e as estrelas
Sombras negras, os homens ainda jogam às cartas
Os seus risos uma demência de Lua,
Os cães ladram, de uma ponta à outra da vila
Não tenho rosto para atirar água, mas um abismo,
Cimento a secar, bater com os baldes e fazer eco,
Espalho-me pela manhã e não saio daqui,
Que ser melodia, é ser incompleto.


André Consciência

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sarna


The Wili brides in white dance into the night - Johanna Bohoy


A pouca distância do lume, sentado numa poça,
Fiquei a imaginá-la a sentir tonturas e pensamentos
Novos.

A realidade tornara-se, pela primeira vez, real.
Segurei-a com as duas mãos, olhei-a.
A seguir, fui-me recolher dentro de uma
Das paredes, e fazia eco.

Ela estava deitada na cama, morta,
Arranjada por mim.
Haviam de tê-la visto vestida de noiva.

As crianças aproximam-se para me dar pontapés
E atirar pedradas ao lombo de um cão.
Não sabem que tenho emoção, memórias
Porque os olhos só falam a partir do medo
E eu, não me restou.

Ela tinha bonecas que eram colheres de pau,
Vestidas.
Eu gostava de ir para as matas, de cinto desapertado,
Dizer que me matava.


Horned Wolf

sábado, 8 de janeiro de 2011

A Orgia das Ratazanas


Child, Doll or Bone - John Santerineross


Os únicos pelos das ratazanas,
Na torre do sino
Sãos os púbicos
E têm cara de pessoas.

Por imitação, uma
É a primeira que ri.
As outras, originais,
Seguem.

O rapaz rato tinha treze anos
Quando lhe foi apresentada
Fizeram-no encara-la de frente.

Tinha as ancas de uma mula
E a cor diferente,
Os dedos fazem tranças
Em tudo quanto tocarem.

A sua baba é uma sopa de pão
E da sua orelha quadrados de carne
Ao lado estava o rapaz rato pendurado
Pelas patas de trás,
Deixa escorrer do pénis
Desenhos irregulares de vinagre.

Depois espreitam-se, do canto do olho,
As ratazanas tantas, com medo imenso
De se tocarem, e sustêm a respiração:
Ficam transparentes, só então se agarram
Sem vergonha, lançando as unhas
Às dobras dos dentes, vomitando
Nos colos.


Horned Wolf

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Nuit




O quintal entrava dentro da luz lá fora
O rapaz tinha seis seios
A mãe tentava imaginar uma vontade
Para lhe pôr dentro.

Esta sombra de intenção tinha cores
Mas só diante das palavras.
Era um livro que seguia o silêncio antes
E depois de ser dito.

O quintal lança-se sobre a terra
O presidente ia dizer alguma coisa importante
Toda a neblina vem do rosto a dissolver-se
Na água.


Horned Wolf

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sombrinha




Os campos estendem-se na distância da vila,
Abrem-se asas, nos pássaros
As mães e os filhos carregam malas com vestidos
E o horizonte deixava-se deslizar pelas planícies.

Toc toc toc toc toc
A sombra ia descansar à vila, aproveitava.
Faltava pouco para o campo atravessar as ruas
Com o rosto coberto de terra.

Os pardais morrem com um som triste
Mas ouvia-se apenas o descanso.

Ali estou eu, a estalar no centro
De uma pedra do passeio,
A ser esquecido enquanto o silêncio
Embacia as imagens.

O silêncio passou, só se ouviam as folhas
De hera a enfiarem-se nos pássaros,
E passos de cristal,
A terra seca a escorregar nas chinelas.


Horned Wolf