terça-feira, 3 de maio de 2011

Lixo




Queria uma nascente que me mostrasse
Os sonhos que eu perdi, todos, como se
A começar, e a vida fosse bela como o teu riso
No meu cadente olhar.

Mas a vida foi passando, e a nascente
Sempre a brilhar, demorou-me os dias
Lentos a passar, os meus olhos roucos
Secaram, deixando um burburinho surdo
Da pérola do meu peito contra o sonho desfeito.

Não tenho a quem a dar, prefiro os rios,
Ficar a imaginar. Nascerão cidades
Famílias de braço dado, todo um viver
Feliz e amado. Nascerá do outro lado do rio
A vida que não tendo e a querendo
A mim me consumiu.


André Consciência

2 comentários:

  1. (...)

    "E os anos correram, e os anos cresceram,
    Com eles cresci:
    Os sonhos que tinha, meus sonhos... morreram,
    Só eu não morri...

    Frades do Monte de Crestelo!
    Abri-me as portas! quero entrar...


    Fui vendo que as almas não eram no Mundo
    Singelas e francas:
    A minha, que o era, ficou num segundo
    Cheiinha de brancas!

    Cortai-me as barbas e o cabelo,
    Vesti-me esse hábito singelo...
    Deixai-me entrar!


    Fiquei pobrezinho, fiquei sem quimeras,
    Tal qual Pedro-Sem,
    Que teve fragatas, que teve galeras,
    Que teve e não tem...

    Moço Lusíada! criança!
    Por que estás triste, a meditar?


    Vieram as rugas, nevou-me o cabelo
    Qual musgo na rocha...
    Fiquei para sempre sequinho, amarelo,
    Que nem uma tocha!

    Vês teu país sem esperança
    Que todo alui, à semelhança
    Dos castelos que ergueste no Ar?


    E a velha Carlota, revendo-me agora
    Tão pálido, diz:
    Meu pobre Menino! que Nossa Senhora
    Fez tão infeliz..."

    António Nobre
    Paris, 1891

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  2. Tão belo, Lobo. Tão teu!:)

    Abraço imenso...

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